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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Licenciado em Letras Vernáculas e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade do Estado da Bahia - Uneb. Professor Universitário e Juiz Federal. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9949164276259937

sábado, 21 de maio de 2011

Julgamento na Câmara de Vereadores

Caros amigos de Angical,

Embora esteja morando em Brasília, procuro acompanhar “de perto” o que acontece na queria terra natal. Soube recentemente da rejeição das contas do atual prefeito, pelo Tribunal de Contas dos Municípios. E ouvi dizer muita coisa a respeito...

Então, resolvi escrever esse breve texto, como forma de contribuir com o debate da questão. A ideia é “traduzir” o tal PARECER DO TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS (TCM), para que a população possa discutir a questão com um pouco mais de profundidade, conhecendo os detalhes do tão falado “PARECER”.

Registro: não pretendo fazer nenhuma defesa (nem “acusação”), mas tão somente tentar esclarecer alguns pontos e colaborar com o debate democrático na cidade. Escreverei, portanto, em linguagem simples e sem apego formal: o que importa é ser claro.

01 – O sistema democrático no Brasil

Os tribunais de contas não são propriamente tribunais, desses que julgam processos, crimes etc. São “cortes” no sentido amplo, que tem algumas funções previstas na Constituição Federal e na Constituição de cada Estado.

Como todos sabem, o exercício do poder numa democracia segue regras e encontra limites. Poder ilimitado e sem controle é sinônimo de tirania e abuso. É por isso que existe no Brasil um sistema – previsto na Constituição Federal e nas leis – destinado à proteção da democracia e dos direitos mais importantes, mais caros ao povo brasileiro. Dentre esses direitos, está o direito à administração pública responsável (também chamado de probidade administrativa).

Em resumo: o sistema de funcionamento dos governos, dos poderes em geral, prevê mecanismos de controle administrativo. O presidente não pode administrar o país de forma livre, gastar o dinheiro público como quiser etc. Ele tem o dever de respeitar a lei e de agir com honestidade. Para controlar o cumprimento desse dever, existem os TRIBUNAIS DE CONTAS, dentre outros órgãos.

O Tribunal de Contas da União (TCU) fiscaliza a aplicação do dinheiro público federal, da União. O Tribunal de Contas do Município fiscaliza a aplicação do dinheiro do município (a administração do município). Simples assim...

02 – O que aconteceu com ANGICAL

Todo prefeito precisa “prestar contas” ao TCM todos os anos. E assim fez o atual prefeito, enviado as informações, para conferência da regularidade de sua administração, especialmente no que se refere às finanças.

O TCM, ao receber as informações, faz uma primeira análise e NOTIFICA o prefeito para prestar esclarecimentos, juntar novos documentos, esclarecer alguns fatos etc. Tudo isso foi feito no caso de Angical, ainda em agosto de 2010.

Apesar de todo esse procedimento, o TCM identificou algumas irregularidades, que vou tentar descrever em linguagem simples:
a)      Ausência de licitação – os órgãos públicos precisam realizar licitação para comprar produtos, contratar serviço de empresas etc. A licitação é um procedimento para que os preços fiquem mais baixos para o município, além de evitar que os prefeitos contratem com amigos ou correligionários políticos.
a.       No caso de Angical, o TCM verificou que o prefeito teria realizado contratos sem fazer licitação, descumprindo a lei;
b.      Não sei que contratos foram esses (o ideal é que isso seja divulgado pela Câmara de Vereadores, para que a população saiba do que se trata), mas o fato é que houve contratação direta pela prefeitura, sem licitação. E isso é ilegal, em regra;
b)      “Inúmeras irregularidades em processos de licitação” – além de não fazer licitação, quando deveria, entendeu o TCM que houve “inúmeras” irregularidades nas licitações que foram feitas;
a.       O ideal, repito, é que essas irregularidades também sejam divulgadas.
c)       Desrespeito ao art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal – esse artigo determina que o Prefeito (governador e presidente também)  faça a cobrança efetiva dos impostos que lhe cabem, como o IPTU e o ISS, por exemplo;
d)      Gastos exagerados com pessoal – A lei limita os gastos com pagamento de pessoal (servidores públicos em geral) e isso não foi respeitado. O gasto com pessoal no ano de 2009 foi de R$ 8.139.819,76, valor acima do que seria permitido;
a.       É a famosa “Lei de Responsabilidade Fiscal”, que não admite que um município gaste mais de 54% de sua receita com despesas de pessoal.
e)      Descumprimento de prazo: o prefeito deixou de encaminhar os documentos relativos aos processos de licitação e de publicidade (para verificação pelo TCM) no prazo legal. Isso também constitui irregularidade;
f)       Abertura de créditos suplementares de forma irregular – Traduzindo: o prefeito gastou dinheiro público de forma irregular, sem respeitar as regra de orçamento público;
a.       A cada ano, a Câmara de Vereadores vota uma lei muito especial. É a chamada lei orçamentária anual, que prevê como e onde serão empregados o dinheiro público;
b.      Como a vida nem sempre acontece como previsto, é possível a alteração dessa lei durante o ano, para que o administrador/prefeito possa modificar o destino dos recursos ao longo do ano. Mas atenção: qualquer modificação exige manifestação da Câmara de Vereadores e o cumprimento de regras previstas numa lei que regula a matéria (a Lei 4.320/64). E isso foi desrespeitado pelo prefeito, segundo o TCM;
g)      Não recolhimento do INSS – o município não entregou ao INSS todo o valor que descontou dos servidores. Em outras palavras, aquele dinheiro que é descontado lá no contracheque de cada empregado da prefeitura deve ser repassado ao INSS. E não foi feito isso, ao menos integralmente. Ficaram valores sem repassar.
a.       Já se deram conta de que muita gente em Angical tem dificuldades de se aposentar, porque durante muito tempo o município não cumpriu seu papel com o INSS? Então, essa prática é antiga na cidade.
b.      Atenção: o atual prefeito recolheu, sim, os valores. Só que não fez isso com todo o valor, ficou faltando uma parte. Essa foi a conclusão do TCM. E essa parte que ficou faltando, ficou nas contas do município. Não quer dizer que o prefeito tenha se apropriado do valor. Isso é importante;
c.       Aproveito pra lembrar que o município tem uma enorme dívida com o INSS, resultado dessa prática feita por prefeitos anteriores. E essa dívida antiga não tem nada a ver com o atual prefeito, exceto pelo fato de que na gestão dele ela deve (ou deveria) estar sendo paga. Na prática, a gestão dele está sendo penalizada, por pagar uma “dívida antiga”;

Por conta dessas irregularidades e depois de abrir prazo para que o prefeito se “defendesse” o TCM achou correto rejeitar as contas – entendeu que ela estavam mesmo irregulares. O prefeito apresentou um “recurso”, mas não teve sucesso.

Esse ato de rejeição tem duas consequências fundamentais, que analisarei a seguir.

3 – Consequência 01 – Envio das “Contas” à Câmara de Vereadores para votação

Após a apreciação das contas do prefeito pelo TCM, como acontece a cada ano, a Câmara de Vereadores deve se reunir, em 60 dias, para fazer uma votação.

Essa votação é obrigatória, pois compete à Câmara de Vereadores decidir sobre as contas do prefeito, mantendo ou rejeitando a manifestação do TCM.  

Deve a Câmara botar em votação o dito PARECER DO TCM para rejeitar as contas ou derrubar o Parecer do TCM (nessa segunda hipótese, as contas serão aprovadas, apesar das irregularidades apontadas pelo TCM).

Lembram-se de que eu falei no começo que poder sem limites é tirania? Então, se o TCM pudesse decidir sozinho, sem nenhum controle, seria perigoso para democracia. É por isso que o TCM emite esse tal “PARECER”, que tem muita força e muita importância, mas pode ser derrubado pela Câmara de Vereadores.

E eu explico.

O TCM é um órgão técnico, composto de servidores concursados que analisam cada compra, cada licitação, cada contrato etc. (em tese, eles não têm vinculação partidária, não protegem nem prejudicam ninguém). Esses servidores técnicos identificaram irregularidades no caso de Angical e, por isso, as contas foram rejeitadas, no âmbito do TCM.

Para a Câmara “derrubar” esse Parecer, portanto, precisa dizer o motivo, precisa explicar para a população.

Só para não passar em branco, lembro que as contas de outros ex-prefeitos também foram rejeitadas em alguns anos e a câmara derrubou o Parecer do TCM. E algum angicalense já ficou sabendo o motivo?

Mas, voltemos ao ponto.

A “derrubada” do Parecer do TCM é algo tão excepcional, que a Constituição Federal exige que seja votada por dois terços dos membros da Câmara. Traduzindo: é preciso uma ampla maioria (dois em cada três vereadores) para que o Parecer seja derrubado. Isso é um prova de que a análise do TCM é importante, é técnica, deve ser considerada.

Esses vereadores precisam debater, analisar e decidir se o Parecer do TCM deve ser mantido ou deve ser derrubado. Para a manutenção, penso que não precisamos de muita explicação, pois o parecer tem oito páginas de fundamentos; já para a derrubada, a democracia exige um motivo, exige uma explicação.

Então, é isso que acontecerá na próxima segunda-feira: os vereadores se reunirão para decidir se derrubam ou não o Parecer do TCM. Eles farão, na prática, o julgamento das contas, mas levando em consideração a manifestação do TCM. E para que a decisão seja contrária à manifestação do TCM, exige-se 2/3 dos votos.

4 – Consequência 2 – Inelegibilidade do Prefeito

A segunda consequência do Parecer do TCM é que se ele for mantido pela Câmara o prefeito ficará inelegível. Isso é uma forma de punir aquele cidadão que não teve o devido cuidado (ou respeito) pela administração da coisa pública.

Funciona assim: o Parecer do TCM, pela rejeição das Contas, será votado na próxima segunda. Se a votação for pela manutenção do Parecer, o prefeito fica inelegível; se for pela aprovação das contas (derrubando o Parecer), fica tudo normal, contas aceitas.

É por isso, meus caros, que há tanta movimentação em torno da decisão da Câmara (soube que houve carro de som na rua, muita gente na câmara, expectativa política etc.).

5 – As coisas positivas

O Parecer do TCM identificou as irregularidades que narrei acima, mas também registrou que muita coisa está regular: o valor dos salários dos prefeitos, vereadores etc. foram fixados de acordo com a lei; foram aplicados os recursos mínimos exigidos pela Constituição na área de saúde e educação; o valor repassado à Câmara foi Correto; e muitas outras coisas.
É importante observar isso também.

6 – A conclusão do Parecer

O Parecer do TCM concluiu pela REJEIÇÃO DAS CONTAS e aplicou uma multa PESSOAL ao prefeito, no valor de R$ 3.000,00, em razão das irregularidades apontadas.

Agora, é hora da Câmara de Vereadores se manifestar.

7 – Minha conclusão

A minha conclusão, meus caros, é nenhuma...  

A intenção aqui está limitada a esclarecer alguns pontos relevantes, para que o debate seja mais completo, mais democrático. Em outras palavras, espero que as pessoas leiam esse texto e continuem a refletir sobre o papel de cada órgão, de cada poder, na construção de uma cidade melhor para todos.

Infelizmente, no passado, não tínhamos internet, informação, quase nada. Atualmente, temos como acompanhar mais de perto as coisas importantes para a cidade, temos como exercer, DE VERDADE, a cidadania.

Para exemplificar, o conteúdo integral do Parecer está disponível a todos na internet, no seguinte link: http://www.tcm.ba.gov.br/sistemas/textos/2010/delib/09289-10.odt.pdf . Leiam, analisem, participem.

Concluindo, reafirmo que esse texto não pretende defender nenhuma posição – nem pela aprovação, nem pela rejeição das contas – mas contribuir com o debate, apenas. Não posso, contudo, deixar de tratar de um ponto.
E esse ponto é a defesa da honestidade com o patrimônio público. Parece-me que a grande preocupação deve ser a proteção do interesse e do patrimônio públicos. A aprovação ou a rejeição das contas pela Câmara precisa ser uma resposta a algumas perguntas simples:
a)      as contas estão corretas?
b)      a gestão está bem feita?
c)       onde o TCM errou e onde acertou?
d)      porque devemos decidir de tal maneira?
e)      o que nos exige a moralidade, a ética, o respeito pelos cidadãos angicalenses?
f)       o que é melhor para Angical?
g)      estamos respeitando as leis de nosso país?
h)      estamos, finalmente, aprimorando ou enfraquecendo a democracia?

A cada pergunta corresponde uma explicação, exigida pela democracia, pelo povo de Angical.

Grande abraço a todos! E que a decisão seja justa e honesta.

Jamyl de Jesus Silva
Brasília – DF, 20.05.11