Tem muita gente por aí - e gente boa, diga-se - afirmando que o art. 14, § 2° da Lei 12.016/09, evidencia que a autoridade coatora é parte no mandado de segurança. Isso mesmo: a velha discussão sobre o papel da autoridae coatora no MS.
Há muitas razões para discordar de tal posição. São tantas que nem mesmo cabem neste espaço. Assim, limitar-me-ei a refutar o argumento de que o art. 14, § 2° tornou (ou evidenciou) a autoridade parte no MS.
Antes, o que diz o referido parágrafo? Que “estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer”.
Ora, trata-se de norma que nem mesmo precisaria ser positivada, não fosse a equivocada jurisprudência a respeito da matéria. De fato, a autoridade pode recorrer da sentença concessiva do mandado de segurança. E assim o é – e sempre deveria ter sido, mesmo sob a égide das leis anteriores – porque se trata de um terceiro potencialmente atingido pela decisão. E o raciocínio é simples. Vamos a ele.
Somente se concede mandado de segurança quando resta reconhecida a ilegalidade ou abuso de poder no ato praticado pelo agente. Noutras palavras, a concessão da segurança pressupõe ilicitude no ato/conduta do impetrado. Evidente, portanto, que a autoridade impetrada poderá ser responsabilizada – ao menos em tese – pelos prejuízos advindos do seu ato ilícito/abusivo. Assim, por ter sua esfera jurídica alcançada, pode – como sempre pôde – recorrer da sentença na condição de terceiro interessado.
Ocorre que o STJ pacificou entendimento de que autoridade não pode recorrer da sentença, já que não é parte no MS. E isso está corretíssimo! Afina-se com o que sustento aqui (e sustentei noutras oportunidades), já que separa as funções da autoridade e do ente público, este sim ocupante do pólo passivo da lide e legítimo a recorrer como parte.
Mas, não confundamos: a negativa de legitimidade à autoridade sempre foi (ou deveria ter sido) para recorrer como parte, em defesa do ente público. Isso não afasta as regras gerais de processo civil, aplicáveis ao mandado de segurança. Assim, o § 2º do art. 14 da nova lei simplesmente reconhece à autoridade um direito que ela já tinha e que vinha sendo equivocadamente negado pela jurisprudência: o de recorrer como terceiro interessado (CPC, art. 499).
A propósito do tema, veja-se o seguinte julgado do STJ:
PROCESSO CIVIL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA LIMINAR: ATAQUE VIA AGRAVO DE INSTRUMENTO – LEGITIMIDADE PARA RECORRER. 1. Tem legitimidade para recorrer, no mandado de segurança, em princípio, o órgão público, e não o impetrado, que age como substituto processual da pessoa jurídica na primeira fase do writ. 2. Ao impetrado faculta-se, não obstante, a possibilidade de recorrer como assistente litisconsorcial ou como terceiro, apenas a fim de prevenir sua responsabilidade pessoal por eventual dano decorrente do ato coator, mas não para a defesa deste ato em grau recursal, a qual incumbe à pessoa jurídica de direito público, por seus procuradores legalmente constituídos. 3. Embargos de divergência conhecido, mas improvido. (STJ, Corte Especial, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 17.12.04).
Apesar do equívoco contido no item 1 da ementa – por falar em substituição processual – o item 2 é esclarecedor: a autoridade pode e sempre pôde recorrer como terceiro interessado, ao albergue da regra geral de processo civil contida no art. 499 do CPC. Daí a conclusão a que se chega de que o § 2º do art. 14 da Lei 12.016/09 em nada altera o aspecto subjetivo da ação mandamental, mas tão somente afasta as manifestações equivocadas da jurisprudência, sob a égide da lei anterior, negando à autoridade o direito de recorrer da sentença.
Com a venia devida aos autores que sustentam posição diversa, a exemplo do ilustre Scapinella Bueno, creio que a posição acima seja a mais correta.

